Dois pedaços de tecido amarelo e azul, com autógrafos de Neymar Jr., podem ser a chave para localizar um dos homens mais procurados do Brasil. Em uma operação conjunta entre o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) e o Batalhão de Ações Especiais de Polícia (Baep), realizada em Campinas na quinta-feira, 30 de outubro de 2025, foram apreendidas duas camisas da Seleção Brasileira — modelos da Nike de 2024 — com dedicatórias escritas à mão: "Ao Filha, com carinho". O "Filha" é um dos apelidos de Sérgio Luiz de Freitas Filho, conhecido também como "Mijão", "Xixi" ou "2X", líder em liberdade do Primeiro Comando da Capital (PCC) e foragido há mais de dez anos.
Uma dedicação que pode ser uma pista
Na sala de uma casa de alto padrão em Campinas, as camisas estavam enquadradas, penduradas como troféus. Não eram apenas objetos de coleção. Eram um sinal. O promotor Marcos Rioli, do Gaeco, explicou que a presença desses itens, com uma assinatura reconhecível de Neymar Jr., sugere que Sérgio Luiz de Freitas Filho, que vive em Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia, pode estar entrando e saindo do território brasileiro. "É um detalhe que parece pequeno, mas em investigações de crime organizado, os detalhes pequenos são os que mais falam", disse Rioli. "Se ele está aqui, mesmo que raramente, precisa de alguém que o conecte ao mundo externo. Uma camisa autografada por um ídolo pode ser um símbolo de poder, de pertencimento. Ou de uma visita real."
As camisas foram encontradas na residência do filho de Freitas Filho, também preso na operação. O jovem, cujo nome não foi divulgado, é investigado por lavagem de dinheiro e integra a estrutura financeira do PCC. O fato de a camisa estar exposta, e não guardada em um armário, levanta a hipótese de que o líder do PCC teria visitado o local — e talvez tenha sido recebido com um gesto de respeito. "Não é comum alguém pendurar uma camisa de um jogador sem relação direta com ele. A menos que tenha sido um presente pessoal. E isso é o que queremos esclarecer", acrescentou Rioli.
Operação de grande escala
A apreensão das camisas foi apenas um dos elementos de uma operação massiva. Ao todo, foram cumpridos nove mandados de prisão preventiva — seis foram executados, três pessoas seguem foragidas, incluindo Freitas Filho. Doze imóveis de luxo em São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro foram bloqueados, além de contas bancárias e ativos em nome de suspeitos. O objetivo: desmontar a rede de lavagem de dinheiro do PCC, que movimenta milhões por ano por meio de empresas falsas, compras de imóveis e investimentos em eventos esportivos.
Essa não é a primeira vez que o PCC usa símbolos culturais para fortalecer sua rede. Em 2020, um líder da facção foi preso em Curitiba com um relógio de luxo que supostamente teria sido dado por um ex-jogador de futebol — uma teoria que nunca foi comprovada. Mas aqui, a pista é mais concreta: uma assinatura autêntica, uma dedicatória específica, e um nome que só quem conhece o líder do PCC entenderia.
Neymar Jr. nega qualquer envolvimento
Na manhã de 31 de outubro, a assessoria de Neymar Jr. divulgou uma nota clara e direta: "Neymar Jr. autografa milhares de camisas que são solicitadas por fãs e instituições em diferentes contextos, sem qualquer relação pessoal ou profissional com quem as recebe. Teorias que tentam associar seu nome a esse episódio são infundadas e não correspondem à realidade. Não há, portanto, qualquer vínculo entre o Neymar Jr. e o fato mencionado. Ele desconhece completamente o caso, assim como as pessoas citadas na investigação."
A declaração foi rápida, mas não surpreendeu especialistas. Neymar é conhecido por autografar camisas em eventos públicos, hospitais, campanhas de caridade e até em viagens de férias. Em 2023, ele autografou mais de 8.000 camisas apenas em uma única turnê pela Ásia. "É impossível rastrear cada camisa que ele assina. É como tentar rastrear cada folha de papel que um escritor assina em uma feira de livros", disse o analista de segurança pública Lucas Mendes, da Universidade de São Paulo.
Por que isso importa?
O caso revela algo mais profundo: o PCC está se adaptando. Não basta mais apenas controlar drogas e armas. A facção agora busca legitimidade simbólica. Um autógrafo de Neymar, um relógio de marca, uma foto com um político — tudo isso serve para construir uma imagem de poder, de conexão com o mundo "normal". Isso facilita a lavagem de dinheiro, a entrada em círculos sociais e até a corrupção de autoridades.
Para o MP-SP, a estratégia é simples: se Freitas Filho está vindo ao Brasil, ele precisa de alguém que o ajude a se mover, a se esconder, a manter contato. E talvez, só talvez, alguém que lhe dê uma camisa autografada. O que parece um gesto de fã pode ser, na verdade, um sinal de que o chefe está de volta.
O que vem a seguir?
O Ministério Público de São Paulo está avaliando a possibilidade de ouvir Neymar Jr. — não como suspeito, mas como testemunha. A ideia é entender em quais eventos ele autografou camisas em 2024 e 2025, e se houve algum momento em que alguém próximo ao PCC poderia ter tido acesso. A equipe de investigação já pediu à Nike e à CBF os registros de distribuição das camisas. Também estão analisando câmeras de segurança em aeroportos e fronteiras, buscando por imagens de Freitas Filho.
Enquanto isso, os outros dois foragidos da operação continuam desaparecidos. A polícia acredita que eles podem estar em regiões de difícil acesso no interior de São Paulo ou em cidades da fronteira com o Paraguai. A pressão sobre o PCC aumenta — e cada detalhe, por menor que pareça, pode ser o fio que desenrola toda a teia.
Frequently Asked Questions
Como uma camisa autografada pode ajudar a localizar um chefe do PCC?
A presença de uma camisa autografada por Neymar Jr. com uma dedicatória específica para "Filha" sugere que o líder do PCC, Sérgio Luiz de Freitas Filho, pode ter tido contato direto com alguém que recebeu a camisa — ou até ter recebido ela pessoalmente. Em investigações de crime organizado, objetos pessoais com assinaturas de figuras públicas podem indicar visitas ao Brasil, já que Freitas Filho vive na Bolívia há mais de 10 anos. O MP quer descobrir se o autógrafo foi dado em um evento público ou se houve um encontro privado.
Neymar Jr. tem alguma ligação com o PCC?
Nenhuma evidência conecta Neymar Jr. ao PCC. Sua assessoria afirmou que ele autografa milhares de camisas em eventos públicos, hospitais e campanhas, sem qualquer relação pessoal com os destinatários. A assinatura nas camisas apreendidas é compatível com o estilo dele, mas isso não implica envolvimento. A investigação não aponta o jogador como suspeito — apenas como possível fonte de informação sobre onde e quando as camisas foram autografadas.
Por que o PCC usa símbolos culturais como camisas de futebol?
O PCC usa símbolos de status — como roupas de marca, carros luxuosos ou autógrafos de celebridades — para criar uma imagem de poder e normalidade. Isso ajuda a justificar suas riquezas, facilita a integração com a sociedade e atrai novos recrutas. Um líder que ostenta uma camisa de Neymar não parece um criminoso comum. É uma forma de propaganda silenciosa, e já foi usada antes com relógios e roupas de marcas internacionais.
Quais são os próximos passos da operação?
O Ministério Público vai solicitar os registros da Nike e da CBF sobre a distribuição das camisas da Seleção em 2024 e 2025. Também estão analisando câmeras de aeroportos e fronteiras para tentar identificar Freitas Filho. Se ele estiver entrando no Brasil, há chances de que tenha sido visto em Campinas, São Paulo ou na fronteira com a Bolívia. A equipe ainda busca identificar quem entregou as camisas e se houve contato entre o jogador e alguém ligado ao caso.
O que isso muda para o combate ao crime organizado no Brasil?
Mostra que o crime organizado está cada vez mais sofisticado, usando elementos da cultura popular como ferramentas de controle e legitimidade. A polícia e o MP agora precisam entender não só os fluxos de dinheiro, mas também os fluxos simbólicos. Um autógrafo, um emoji em mensagem cifrada, uma música favorita — tudo pode ser uma pista. Isso exige novas estratégias de investigação, que vão além de bancos e imóveis.